6.7.05

Indigente

Passava pela porta do supermercado quando uma gritaria chamou a atenção. Um desses que a imprensa costuma apelidar de indigente tentava comprar uma garrafa de qualquer coisa. Provavelmente algo que lhe faria esquecer daquela vida em que se metera.

Não que os mendigos em geral escolham a vida de mendigo, pedinte, esmoleiro ou qualquer coisa que o valha. Caem ali, acho, por falta de trabalho, que leva ao desespero, que leva ao alcoolismo, que os leva a simplesmente não ligar. Um conjunto de defeitos que caem, todos, numa só pessoa, até que a própria pessoa deixe de ligar para os defeitos, e deixe de considerá-los como tal.

Quem mais gritava era uma funcionária gorda, destas que, mesmo estando na merda, acham que banho e boa aparência valem alguma coisa. A gorda não queria deixar o mendigo entrar no supermercado. E o mendigo insistia em entrar. Mostrava o dinheiro para a gorda. Dizia que iria pagar. Teve um momento em que o mendigo pediu para a gorda ir até o balcão e pegar a cachaça. Mas ela afirmou que, enquanto fosse até o balcão, o mendigo iria roubar o caixa.

Nesse momento resolvi me meter na confusão. Perguntei pro mendigo qual era a bebida que ele queria.
- Qualquer cachaça, boa.
Boa, para ele, era a que podia ser paga com cinco reais. Fui até o balcão, peguei um litro de cachaça que conhecia e levei ao caixa da gorda. Peguei o dinheiro do mendigo e paguei.

Ele foi embora, feliz da vida. E quando saiu do local já tinha tomado uns três quartos do líquido que o libertaria da loucura da lucidez.

Perguntei pra gorda se ela não tinha medo que eu metesse a mão em alguma coisa, durante a ida até o balcão de bebidas.
- Não. O senhor parece distinto. Educado. Eu não posso desconfiar do senhor.

Tirei do casaco uma garrafa de uísque. Devia custar uns duzentos reais. Pus na frente da gorda. Fechei o casaco e fui embora.