22.8.05

Contos do Cotidiano - No quarto alugado

Finalmente aconteceu o previsto. Sem dinheiro, entreguei as chaves do apartamento onde ficara instalado por bons meses. A cama velha ainda tinha o cheiro de Beti. Belos seios e uma boa bunda. Me deixou depois que fui despedido do último emprego decente em que trabalhei.

Havia conhecido Beti lá. Ela era telefonista. Ficava sentada, quase nem usava as mãos para trabalhar. Tinha um fone no ouvido, e para controlar as ligações apertava uns botões no painel, e pronto. Sempre usava blusas sem mangas. Não eram muito decotadas porque os seios não eram grandes. Mas chamavam atenção pela perfeição. Redondos, com os bicos apontando pra cima. E usava saias. Não eram lá muito curtas. Mas todas eram de tecido molenga. Assim que Beti sentanva, sua saia subia. Ficava lá, as belas pernas cruzadas e uma lixa de unha nas mãos. Unhas sempre curtas, bem cuidadas. Pintadas de rosa. Um rosa inconsistente, fraco. Mas Beti usava porque Clara gostava.

Fazia um bom tempo que namoravam. Eu só tinha visto Clara uma vez. Sempre me demorova para entregar a correpondência para Beti. Ficava ali olhando aquelas pernas. Ela sabia que eu gostava, mas raramente eu podia elogiá-las, pois Beti sempre estava falando ao telefone. Assim que vi Clara, percebi que as duas namoravam. Beti acompanhou Clara com o olhar desde o momento em que ela entrou na saleta. Passou em revista todo o belo corpo de Clara. Magra, mas não muito. Pernas musculosas, sem gordura nenhuma. Tinha seios enormes, parecia que não agentaria carregá-los por muito tempo. Pensei em me oferecer para ajudar a carregá-los. Mas Beti desligou o telefone.
- Oi, minha linda. Saiu mais cedo hoje?
- Consegui uma folga porque fiz serão na terça. Vou para casa fazer algo para a janta. Não atrase.
- Estarei lá. Sete horas estarei lá, pode me esperar.

Então Clara inclinou-se na mesa e beijou Beti no rosto. Não era um beijo comum, de amigas. Foi mais longo, mas delicado. Com sentimento. Foi-se embora.

- Beti, não sabia que você...
- Oh! Desculpe, não lembrei que você estava aí. Disse Beti.
- Sem problema. Qualquer dia desses vê se me convida.
- Legal que você entende. Vou ver se Clara topa no próximo final de semana.

Depois daquele final de semana, passei a me demorar mais na saleta de Beti. Às vezes ela esquecia do telefone para conversar comigo. Acabou acontecendo. Ficamos próximos. Eu imaginava em morar com as duas, quem sabe até ter um caso com Beti e com Clara, ao mesmo tempo. Aí, um dia Beti chegou mais cedo e me pediu pra ir até a saleta.
- Clara e eu terminanos. Disse.
- Que coisa Beti.
- E o pior é que ela me deu até quarta para sair da casa. A casa é dela, você sabe. E não posso voltar para casa de meu pai. Ele jamais me aceitará novamente. Será que...?
- Tudo bem Beti. Mas o lugar é apertado. Vou me arranjar na sala, mas você tem que deixar um espacinho no guarda-roupas. Pelo menos pras camisas do uniforme.

Na quarta Beti estava lá. Não tinha muitas coisas. Coube tudo na camionete de um amigo. O lugar ficou apertado, mas as coisas dela deram o ar feminino que o lugar estava precisando. Naquela noite Beti estava cansada. Fiz a janta para nós. Jamais precisei dormir na sala.

8.8.05

Pedestre

Dirigia o carro pelo centro da cidade. Não era uma via movimentada. Aguardava a passagem de dois ou três carros, para que fosse minha vez de cruzar a preferencial.

Passou-se pouco tempo. Quando iniciei a manobra para dobrar à esquerda, uma mulher começou a atravesar a rua. Brequei. Enquanto ela passava, algo chamou a atenção. Não era muito gorda, nem muito magra. Deveia ter trinta, talvez trinta e cinco anos. Certamente já fora mais bonita, com a bunda e os seios no lugar. Mas a firmeza de outrora ainda podia ser percebida.

Caminhava com confiança. Mas alguma coisa continuava me intrigando. Antes de arrancar, olhei uma segunda vez. Eram as sandálias que usava. Sandálias com um grande solado. Devia ter seis ou sete centímetros de altura. Não apenas o salto, mas o solado todo. Aquilo me fez gargalhar. Os dedos dos pés da mulher ficavam para fora da sandália. E os pés eram mais grossos que o local feito para sustentá-los. Imaginei um elefante de patins. E a mulher não era gorda, já disse. Mas dissociando os pés calçados naquelas sandálias, do restante do conjunto, parecia realmente um elefante tentando equilibrar-se sobre patins.

A cena era hilária. Fiquei pensando naqueles caras que caem em adoração pelo pé feminino. Projetam sapatos, sandálias e chinelos para realçar a beleza dos pés. Certamente não imaginaram o resultado de sua adoração, quando o produto de suas mentes, concebido para delicadas modelos, são calçados por pessoas comuns. Algo tenebroso.

E eu, que já achava a mulher terrivelmente feia, caminhando com os pés metidos naquelas sandálias que não foram projetadas para ela, olhei uma terceira vez. A mulher já estava sobre a calçada. Parou, ficou imóvel por dois, talvez três segundos. Cuspiu nojentamente na calçada. Não apenas saliva. Fora um escarro. Percebi que realmente aqueles pés não deveriam calçar aquelas sandálias. Não foram fabricadas para ser utilizadas por que cospe daquele jeito.

Livrei-me dos pensamentos ao escutar uma buzina. Não tenho idéia de quanto tempo o cidadão do veículo que vinha em seguida já esperava. Mulheres cuspindo na rua. Arranquei enojado.