10.6.05

Pardieiro em Beira de Estrada

Três da madrugada. Sentado num banco duro. Gelado. Estava no meio do caminho. Saído do interior, voltando para a capital. É impressionante como no meio de todos os caminhos sempre existem lugares fétidos e nojentos. E é impressionante como, a cada ida e vinda, se cai ali. Gosto destes lugares.

O cidadão ao meu lado estava em pé. Não muito longe, nem tão perto. Dava pra sentir o cheiro do cigarro vagabundo que fumava. O cachorro, devia ter uns seis meses, o encarou. Fitou-o de baixo para cima umas duas vezes. Claro que o cheiro do cigarro incomodava mais a ele (o cachorro) do que a mim. Depois de encarar o cidadão, deve ter pensado o mesmo que eu: parece cocô escorrido, depois que jogam na parede.

O escorrido estava no mesmo ônibus vagabundo que eu. Provavelmente tinhamos o mesmo destino. A capital. Eu não o conhecia, fora saber que íamos para o mesmo lugar, que o cigarro que fumava era vagabundo e fedorento e que tinha cara de cocô escorrido, nada mais posso dizer sobre ele. Nem quero. As pessoas adoram poder dizer alguma coisa umas sobre as outras. Mesmo quando não se tem nada de útil ou mesmo de inútil para comentar, as pessoas ainda falam umas das outras. Já vi muitos casamentos acabarem por isso.

O cachorro veio para meu lado. Enfiou-se entre minhas pernas e lambeu meu sapato. Tinha pisado num sorvete. Provalmente jogado por um melequento qualquer, que não conseguiu terminá-lo antes da mãe, aos berros, puxá-lo para dentro do ônibus. O cachorro continuou. Ergui o pé para que pudesse lamber a sola. Ficou ali até sumir o gosto do sorvete. O sapato estava limpo novamente e o motorista não poderia dizer que eu sujaria o piso do ônibus.

Fui até o mostruário de bebidas dar uma olhada. Vinhos vagabundos e cachaça embotada em garrafas transparentes de cerveja. Antes devem ter sido enchidas com gasosa de franboesa. Muitas Vezes. Agora serviam de embalagem para o que alguns consideram a desgraça da humanidade, e outros consideram uma dádiva. Nenhuma valia ser comprada.

Estava frio. O alto-falante anunciou que o ônibus estava de saída. Fui até a porta esperar o motorista, torcendo para que não estivesse com sono depois de comer dois pratos de picadinho gorduroso, de carne de terceira. O cachorro veio se despedir. Deu uma cheirada e abanou o rabo. Acho que gostou de mim. Entrei depois do escorrido. Ainda fedia cigarro vagabundo.

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